Por Carlos
Marcelo, Professor Catedrático de Didática e Organização Escolar da
Universidade de Sevilha, na Espanha
Tradução:
Cristina Antunes
“A melhoria
na qualidade do ensino requer bons professores. Docentes comprometidos com a
difícil tarefa de ensinar que, por sua vez, exige dos profissionais sentido e
responsabilidade. A identidade profissional docente se constitui como uma
interação entre a pessoa e suas experiências individuais e profissionais. A
identidade se constrói e se transmite. E existem algumas características ou
constantes da identidade profissional docente que se repetem e que são,
geralmente, independentes do contexto social ou cultural. Neste artigo, discutimos
essas características da profissão docente que lhes garantem identidade.
Percebemos
que nossas sociedades estão mudando. Uma transformação não planejada que está
afetando a forma como nos organizamos, como trabalhamos, como nos relacionamos
e como aprendemos. Essas mudanças têm um reflexo visível na escola como
instituição encarregada de formar os novos cidadãos. (Carlos Marcelo, 2002).
Uma das
características da sociedade em que vivemos tem relação com o fato de que o
conhecimento é um dos principais valores de seus cidadãos. O valor das
sociedades atuais está diretamente relacionado com o nível de formação de seus
cidadãos e da capacidade de inovação e empreendimento que eles possuam. Mas, em
nossos dias, os conhecimentos têm data de validade, e isso nos obriga, agora
mais que nunca, a estabelecer garantias formais e informais para que os
cidadãos e profissionais atualizem constantemente sua competência. Ingressamos
numa sociedade que exige dos profissionais uma permanente atividade de formação
e aprendizagem.
No que essas
mudanças afetam os docentes e sua identidade como profissionais? Como devemos
repensar o trabalho do professor nessas novas circunstâncias? Relatórios
internacionais recentes voltaram a focar e destacar o importante papel que os
professores desempenham em relação às possibilidades de aprendizagem dos
alunos. O próprio título do relatório que a OCDE publicou recentemente nos
chama a atenção: Teachers matter: attracting, developing and retaining
effective teachers (OCDE, 2005) 1. Afirma-se no título que os professores devem
ser levados em conta, são importantes para ajudar a melhorar a qualidade do
ensino que os alunos recebem. Nesse relatório afirma-se que: “Existe atualmente
um volume considerável de pesquisa que indica que a qualidade dos professores e
de seu ensino é o fator mais importante para explicar os resultados dos alunos.
Existem também consideráveis evidências de que os professores variam em sua
eficácia. As diferenças entre os resultados dos alunos às vezes são maiores
dentro da própria escola do que entre escolas. O ensino é um trabalho exigente,
e não é possível para qualquer um ser um professor eficaz e manter essa
eficácia ao longo do tempo” (12). Esse relatório vem mostrar a preocupação
internacional em relação ao magistério, às formas para tornar a docência uma
profissão atraente, a como manter melhores professores no ensino, e a como
conseguir que os professores continuem aprendendo ao longo de sua carreira.
Esse
relatório da OCDE vem evidenciar que os professores são importantes.
Importantes para influir na aprendizagem dos alunos. Importantes para melhorar
a qualidade da educação que as escolas e os estabelecimentos de ensino realizam
cotidianamente. Importantes, em última análise, como uma profissão necessária e
imprescindível para a sociedade do conhecimento. E visto que os professores são
fundamentais, precisamos que nossos sistemas educativos sejam capazes de atrair
os melhores candidatos para se tornarem docentes. Necessitamos de boas
políticas para que a formação inicial desses professores lhes assegure as
competências que vão precisar durante sua longa, flexível e variada trajetória
profissional. E a sociedade necessita de bons professores, cuja prática
profissional cumpra os padrões profissionais de excelência que assegure o
compromisso do respeito ao direito que os alunos têm de aprender.
Paralelamente
ao estudo da OCDE, a influente Associação Americana de Pesquisa Educacional _
tornou público o relatório que pretende sintetizar os resultados da pesquisa
sobre a formação docente, assim como propor políticas educativas conformes com
esses resultados. Afirma-se que: _“em toda a nação existe um consenso emergente
acerca de que os professores influem de maneira significativa na aprendizagem
dos alunos e na eficácia da escola” (M. Cochran-Smith & Fries, 2005, p.40).
Na mesma linha, Daling-Hammond (2000) viria a afirmar que a aprendizagem dos
alunos “depende principalmente do que os professores sabem e do que podem
fazer”.
Porém não
basta destacar a importância do papel do docente. Chapman e Aspin (2001),
editores do International Handbook of Lifelong Learning (Manual Internacional
de Educação Continuada), expunham a necessidade de se realizar profundas
transformações nos sistemas educacionais atuais para que possamos enfrentar os
desafios da sociedade do conhecimento. Esses autores apresentam uma série de
princípios que nos parece serem de interesse:
A
necessidade de oferecer oportunidades educativas que respondam aos princípios
de: eficácia econômica, justiça social, inclusão social, participação
democrática e desenvolvimento pessoal.
A
necessidade de reavaliar os currículos tradicionais e as maneiras de ensinar em
resposta aos desafios educacionais produzidos pelas mudanças econômicas e
sociais e pelas tendências associadas ao surgimento de uma economia do
conhecimento e de uma sociedade da aprendizagem.
A
reavaliação e redefinição dos lugares onde a aprendizagem acontece, assim como
a criação de ambientes de aprendizagem flexíveis, que sejam positivos,
estimulantes e motivadores, e que superem as limitações de currículos
padronizados, da divisão por matérias, dos tempos curtos e das rígidas
pedagogias.
Uma
aceitação da importância do valor agregado que proporciona a aprendizagem.
A
consciência de que embora se comece a perceber que a escola não é a principal
fonte de aquisição de conhecimento, ela está se convertendo em instituição
fundamental na socialização da população jovem.
A ideia de
que os caminhos de aprendizagem entre as escolas e as instituições de ensino
superior, os trabalhadores desse setor e outros provedores de educação, terão
um alto impacto na formação de relações entre a escola e a comunidade.
A
necessidade de promover a ideia da escola como comunidade de aprendizagem e
como centros de aprendizagem ao longo da vida.
Reivindica-se,
por tanto, um professor compreendido como um “operário do conhecimento”,
desenhista de ambientes de aprendizagem, com capacidade para rentabilizar os
diferentes espaços onde se produz o conhecimento. E também uma profissão
docente caracterizada pelo que Shulman (1998) denominou uma comunidade de
prática através da qual “a experiência individual possa se converter em
coletiva” (521). Uma profissão que necessita mudar a sua cultura profissional
marcada pelo isolamento e pelas dificuldades para aprender de outros e com
outros, na qual é mal visto pedir ajuda ou reconhecer dificuldades.
Por outro
lado, as evidências dos relatórios internacionais mostram que as políticas de
reforma educacional executadas em muitos países deterioraram as condições de
trabalho dos docentes, causando desmoralização, abandono da profissão e
absentismo, tendo, tudo isso, um impacto negativo na qualidade da educação que
se oferece aos alunos. Como afirmam Day, Elliott e Kington, “os professores
estão deixando de lado o que consideram parte essencial de seu trabalho, a
interação com os alunos, para abordar as prioridades de gestão e de avaliação”
(Day, Elliot, & Kington, 2005). Há evidências em relação ao fato de que as
mudanças nas condições internas e externas das escolas produziram condições de
extrema incerteza e crise de identidade dentro do que historicamente foi, para
muitos professores, uma profissão estável (Day, Elliot, & Kington, 2005)”.
Fonte: www.formacaodocente.autenticaeditora.com.br
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